sexta-feira, 23 de julho de 2010

Reencontro



















Minha boca repousava sob a sua construindo pequenas moradas entre as línguas entrelaçadas. E o beijo firmava a ponte entre nossos sussurros e vontades.
Gostava de acariciar seus ombros enquanto ela estava deitada de costas sob a cama, então a surpreendia com carícias na nuca e cabelos. E não há nada que supere seu rosto em meus ombros...
Não existia melhor perfume do que o que exalava em seu pescoço... Um misto de todas as flores com sua identidade-mulher. Seu cheiro nos uniu como na primeira vez em que se aproximou e estremeci...
Estremeci sem saber quem ali eu era e o porque minha boca ressecava...

...

Recordo-me do dia em que estávamos na sala e ela veio me mostrar algo na tela do computador, talvez nem mesmo ela se recorde, mas ela aproximou-se de mim enquanto eu ainda estava sentada.Seus braços quase me enlaçaram e me veio imediatamente aquele perfume... Indescritível...
Confesso ter me sentido suja e enceguerada por sua pele, desejando senti-la cada vez mais perto, sem saber o motivo, apenas desejando estar próxima ao seu delicado colo...
Ela era um sonho...

Dias passaram e eu decorei aquele perfume como se fosse uma estudante aplicada, reconhecendo-o em qualquer outra mulher que passasse na rua. Vez por outra, quando fechava os olhos me vinha à mente aquele suave toque floral, e talvez naqueles mesmos instantes ela já tivesse passado a fazer parte de mim...
E foi preciso pouco tempo para entender aquilo que me tomava, me arrebatando por completo sem deixar rastros do que eu era antes.

Eu que amava outro homem, e ela que na minha visão sempre esteve nas mãos de um cafajeste... Nós que durante anos fomos amigas sem ao menos imaginar o que nos aguardava a frente...
Talvez, à frente de nosso tempo, mas principalmente além de qualquer explicação racional ou razoável sobre aquela noite...

Naquela noite, os deuses nos deram corpos livres e mentes despidas de pecado ou pudor...
Os copos cheios, amigos em volta, todos rindo sobre a banalidade da vida em um quarto pequeno e abafado...
A noite consumia-se entre vozes e risadas, os copos enchiam-se e esvaziavam-se na efemeridade de nossa juventude...
Até que numa fração do tempo, as risadas cessaram e o quarto nos brindou a sós...
Deitadas no chão, quietas e compenetradas em algo que nenhuma de nós saberia decifrar, ficamos caladas até que sua boca beijou de leve meu rosto, seguindo em pequenos beijos em direção a minha boca...
Seus lábios recostaram aos meus como num reencontro inesperado com sabor de canção...
Tive a sensação de ouvir a cada beijo poesias intermináveis dos mais consagrados poetas, e por essa ânsia talvez tenhamos ficado ali por horas a fio num enlace cúmplice a harmônico.
Era como se, nossas vidas do começo ao fim estivessem reduzidas a esperar por aquele momento.E quanto a mim, só pude crer que nos conhecemos e estivemos juntas como amigas por tanto tempo para que aquela noite chegasse...
Senti-me envolta em uma magia sublime... E era tudo real...
Quando penso sobre ela, entendo que ela carrega consigo uma inocência perdida em sua voz engraçada, em seus gestos desconsertados e afobados, em seu andar desajeitado e em suas falas improvisadas e juvenis.
Sou capaz de amar nela tudo aquilo que ela mesma rejeita, pois meu encantamento emanou de cada deslize, cada lance perdido.
Gosto quando ela cede aos meus caprichos me fazendo sentir antiquada por parecer uma pedinte preguiçosa. Gosto de vê-la contrariada e de fazê-la rir de minhas ironias por vezes mal intencionadas.Gosto de vê-la reclamando das injustiças que fazem com ela seja em casa ou no trabalho porque são nesses momentos em que vejo toda a força dela pulsar.
Gosto dela ao natural falando de coisas que eu sei que ela não falaria pra mais ninguém.
Gosto de ouvi-la dizendo coisas que acredita e de saber o quanto ela acredita em nós, como quando perdemos o tempo falando de nossa futura casa decorada em estilo retrô.Gosto de sonhar ao lado dela...Beijá-la... Fazer amor docemente ou transar apressadamente antes que alguém entre no quarto... Gosto quando terminamos de fazer amor e ela diz que me ama e de tanto amor, não sei separar quem ela é e quem sou eu, pois somos apenas uma.
E por esses motivos, depois daquela noite entranhamos uma na alma da outra sem pedir permissão ou consentimento a deuses, humanos ou mesmo nós.
Não havia pecado, apenas à vontade de estar juntas sufocando nossas próprias prisões.

Os dias que passo ao lado dela são sempre incrivelmente especiais...Ela toma o que de melhor há em mim e me devolve ao mundo sempre mais leve e serena.
Em nossa historia, passamos vez por outra por situações inusitadas, difíceis e decisivas, mas seguimos como duas loucas desvairadas na certeza do que nos une.
Nada nos tira de nós e de nosso rumo, mesmo quando perdemos o rumo quando estamos a sós.

Às vezes, quando estamos deitadas, tenho a sensação de ler frases inteiras em seus olhos porque mora nela uma franqueza jamais vista por mim antes, e é ali que quero ficar.
Naquela imaturidade contraditoriamente sábia, dentro daqueles grandes olhos sinceros, naquelas mãos tímidas e em sua boca molhada.Minha casa é o que pulsa nela.Minha certeza tem o nome dela.
Mudamos nossos planos paralelos por causa daquela noite inesperada... E tenho calafrios só de pensar que se não estivéssemos juntas naquele dia, talvez não teríamos outra chance...
Nossa historia se lapida a cada novo beijo, a cada novo abraço e nossas brigas e entrega mútua, na amplidão do que ainda está por vir, desbravando rotas, rótulos alheios e a moral mal amada dos outros.
Seguimos simplesmente livres, por vezes incompreendidas, mas sempre plenas e nos amando mais e mais...Às vezes me pergunto se seria possível amar tanto assim uma pessoa, mas quando a vejo descontraída, me beijando ou apenas ao meu lado encontro essa e todas as outras respostas para minha vida inteira.

Te amo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Marginal


















“A teus pés”, marginais correndo por dentro de nossos conflitos...“Inéditos e dispersos” descobrindo o nome que tem

A teu Rio que espeta liberdade e inventa a referencia das provas

Das tuas “Luvas de pelica” que tão bem marcam o inferno de tua passagem

Da cara fria que brota larva poesia
E assume plumas duma geração “mimeografo”

Da puta que sangra com versos nos dentes
E “pousa” nua sob qualquer lente gratuita
Poeta que ninava e dormia com marginais
Bagunçava cabelos, seios, coxas e sexos
Trepava com as ruas e praças públicas
Gozava na ereção da arte barata
E excitava o órgão poético de todos sedentos
Marginal integrante da quadrilha de Leminski, Cascaso e Torquato
Sob o chão do povo, abrindo antigas prisões
Com pés, punhos e versos revoltados
Jogando fora a sobra da roupa domesticada
Cortando e travando a doença
Recuperando o nojo que desbota a elitização
Abolindo a poesia
Jogando na rua, pro povo, pra todos!
Unificando arte e revoluções
Queimando o censor anestesiado dos que vendem sua arte
Eu-poeta
Versos-para túmulo incerto
Ingênua-desavergonhada
Morrendo além de escamas nas palavras que há
Ânus melado e promiscuidade verbal
Transgressora sem teto
Vestida de militante para pisar em nova arte
Cuspida na cara dos amantes lucrativos
Gozo compartilhado por poetas, atores, miseráveis e irmãos...Vida longa a marginalidade dos poetas!


{Ana Cristina César foi uma das pioneiras do movimento de literatura marginal, participando da "geração mimeografo" contra a elitização literária e ao lado de outros grandes artistas marginais da década de 70. Nasceu e morreu para poesia do povo, cometendo suicídio em 1983.}

segunda-feira, 5 de julho de 2010


















Concentrei meus olhos como dois viajantes em minhas mãos brancas. Brancas e não transparentes como estes dois olhos cafajestes que me fazem gostar mais de poesia do que da verdade, por isso minto e invento em miudezas infladas de outras histórias.
Sou bem capaz de alimentar minha vaidade balofa com versos geniais, intensos, belos, mas pouco críveis só para manter meu esforço sobre-humano de não fazer parte da fúria insossa desta realidade tímida e cinza.
E lá vou eu, dando continuidade como uma puta literária, dando vida sendo que já não sou eu o que era no início do texto, no exato momento egoísta em que me ocupo de mim mesma e viro um aspirador em escala humana que suga os outros, até que eu não consiga segurar nem o que guardei em meus depósitos virtuais.
Em minha próxima inspiração autodestrutiva serei um inseto, um inseto absolutamente integrado aos seus atributos, serei menor, mesquinha e discreta, estarei em uma caixa, no prato e convicta do destino de ser apenas inseto. Entre uma e outra coisa estarei cambaleando e firme contra o chão, aceitarei a condição de que fatalmente serei eu e não necessariamente precisarei estar acompanhada.
Eu serei pisoteada com gosto entre o papel que agora hospeda meus versos repetidos. Juro.
E se eu for, é só o começo de minha lucidez/manifesto/patética e como herança estará meu novo conceito de começo: “Eu vos deixo nada”.
Mas sou obrigada a não me condenar porque sou de carne, osso e gosto de sabonete, daqueles que escorregam e se sabotam até autorizar pra si, a distancia necessária de mim mesma.
E por conta dessa minha perdição, penduro minha covardia em um varal provisório até me convencer de que meus erros têm um peso invisível.
E por fim, este foi o trabalho que me foi entregue, dizer tantas palavras e só ter voz quando tento lhe tocar...As palavras estão sempre tão impregnadas de mim que já sei dançar com o veneno repousando em meus dedos.

Este é o pavor criando o movimento de corte da minha loucura, é quando consigo falar às claras que não é bonito nem muito menos poético magoar pessoas, porque amar é ser louco de tudo em todas as freqüências caminhadas como quando peço perdão a um Deus que não existe por meus pecados e ele me responde que eu preciso esquecer que é só maldade.

Agonia. Criar no estomago palavras que se cruzam brevemente e se apaixonam como sementes vivas consumidas pela chuva de quando você chorou pra eu beber dos teus olhos em uma taça sem dignidade.
De todas as minhas desgraças, tenho em você todas as respostas inventadas. Por isso te amo em fúria e mágica até tua boca me alcançar para ungir nosso milagre.