sábado, 26 de fevereiro de 2011



















Vestiu-se às duas e meia
No ponteiro apontava a arma acima do ámario
Vestiu-se dum calibre trinta e oito
Mirou-se no espelho
Atingiu em cheio a decência
Matou o amante ao se despir
Perdeu os dedos enquanto masturbava-se
Amputou sua dignidade perdida em desgraças de vinho
Acabaram-se as balas...
Foram-se os dedos
Perdeu o amante
Tingiu a boca descarnada dum fluxo sanguineo
Conduziu-se ao marido que a esperava angustiado
Deu-lhe um beijo sem saber da última bala no gatilho
Perfurou-lhe o maxilar, atingiu-lhe a cabeça e não haviam mais balas para matar-se...
Morreu a míngua em meses posteriores sem dedos ou boca para alimentar-se.
...
Morreu duma fome introspectiva voraz...



















Atingiu o dorço braçal
Leu uma, duas vezes sua poesia barata
Caprichou nas rimas
Escondeu os erros
Engoliu a seco
Regurgitou uma matéria salivante
Um pouco espumosa
Saíram duas estrofes incompletas, encruadas de nervos verbais
Descarnou do pouco que tinha
Faltou-lhe essência dialética
Não lucrou com nenhum poema
Inspirou-se na míngua prosopopéia de um insône criador
Bebeu do tédio salubre
Engasgou-se com o desfecho...
Nasceu para ser só, poeta intraduzível
Ignorante e imerso em sua própria arte
Filho dum processo criativo medonho
Mediocridade é seu nome
Passo sem retorno
Afluente das águas revoltas em si mesmo
Morreu Antonieta esfinge envolta em sangue
Sociopata em seus poemas
Sufocou de lisergia reconfortante



Morreu José para a poesia...

Sobre Insanidade






















Vestígio encruado em saldos positivos de mágoa e ódio tênue
Escárnio dum vermelho sangue
Apontando a arma do crime em direção ao lapso do vazio
Entre a fumaça espessa do cigarro,
Vi-me mendigo feito pedinte da banalidade poética
E da falta de um ócio criativo
Arranquei do corpo pêlo por pêlo, do poeta não sobrou-lhe nem os cabelos tingidos de mágoa loura
O inferno tem nome boca e labirintos...
Avistei penduradas nas portas camisetas molhadas dum suor vinho tinto safra 86
Finquei o vinho em panelas suicidas de horror
Animais faziam orgias enquanto perdia a serenidade na internet dos loucos desvairados
Estive insano, preso em Marte, num satélite momentaneamente em órbita
Serafins me levaram em caixas de crianças criadas em orfanatos desertos
Águas mostraram-me a profundidade do Seol
Até o momento em que com seus olhos sábios me tomaram pelos braços e conduziram a ponte entre a arma do ármario e o escudo
do final do quarto.
...
Morri de inanição de vida.

Eu era um verbo calado, contido na condição de ser outras partes de mim. Eu era caboclo, preto feio, ogro, cercado de burgueses gloriosos e bem vestidos.
Eu era menino imerso na profundidade de meus estragos. Destruição era minha imagem refletida no caos de minha nocividade.
Eu era o primeiro a desequilibrar na linha tênue de minha medíocre falta de humanidade.
Eu era a falta da presença. Oco e desprovido de fé.
Hoje eu era um verso inteiro de chuva, uma ponte ao contrário, um gatilho de invasão das cores, um quilombo repleto de escravos alforriados, uma imensidão de superlativos de sementes, a tua e a minha clareza em todas as palavras.