sábado, 26 de março de 2011

Malaguetas

Meus gatinhos são malaguetas
despidos todos chegam ao se brotar
cintilam em suas carinhas inocência de vida
da alquimia do que todos fomos
atrevidos já estragaram-nos roupas e sofás
no bosque elétrico de suas curiosas percepções
e abancada em familiar paisagem
observo com amor
o júbilo igual de todos os dias
pois essa emoção de vida
ocorre em nós apenas
nas primeiras manhãs da infância.

Copo

No meu copo
ritos de batismo
donde a língua navegante
deixa a cada porto
anticorpos nas sacolas
e o álcool a adentrar pelos vasos
trepida a sobriedade
no ponto de mira

Não há alvos perfeitos
nem pretensa cifra emboscada
apenas o copo em que o líquido é o projeto
da embriaguez que por hora é a obra

As pernas entesouradas
os documentos debaixo do braço
e os sentidos reproduzindo sistematicamente
as curvas das ruas de asfalto
o copo unido a boca em suas proporções
tão cheio de argumentos como um deus extinto

E como pode tão frágil objeto
ter tantos exércitos líquidos enterrados?

No vidro aprecio o gosto da carícia
o dedo firme a explorar seu veneno
da língua no copo a deriva.

Metalinguagem

O verbo tem sua meta
explorar seu eco estético

Já a palavra despojada,
desvencilha-se da convenção estúpida

A semântica para a estrofe
é uma prostituta gorda

onde a hermética com seu falso reino letal
é uma velha de cachimbo

E na metalinguagem de meus esboços precários
tampouco as sílabas, errantes peregrinas
caem nas babas de poetas covardes.

Slogan

Deixa que os mesquinhos
e suas pautas sem significados
indaguem-nos com suas línguas de carniça
deixa que a desordem será nosso reencontro

Deixa que estas mãos façam o trabalho sujo
e surpreendamos as sentinelas
abrigadas nas janelas de suas gargantas de aço
deixa nossa vulgaridade como slogan
é nossa máscara ardendo nesta batalha que não cessa...
Deixa.

Hino ao Carvão

Aquela mulher de asas gigantes
puríssima senhora
abraçada a timidez dos tempos idos de seu violão
cujos vestidos agrestes causam chuvas elétricas nos pulmões
que na guerra dos cínicos é um anjo
com seus hábitos e passos firmes
reservando seus fastasmas nos sopros
dos seus artesanatos de tricô
a mãe de meu pai que atravessa a fronteira cinza
e num amor perdido de setembro o abraça e resgata
por isso a fera de sua moral de tão terna faz parecer inventada
cantarolando pelos cômodos as mais queridas canções populares
carregando o próprio céu em seu rosto
E vai marchando em suas antigas fotografias
a reencarnação das mínimas lendas de um dia
fazer de seu caderno escolar aulas orgulhosas de carvão e pedra
retornando um dia inteiro suas recordações magníficas de Campos dos Goytacazes
nas mãos transbordantes de alegria roubar da infância maçãs vizinhas
naquele mesmo tempo em que panelas transbordavam de sopa e legumes
E cá fora ainda hoje, basta ver teus olhinhos míudos
para ver mais de perto aquela terra fresca

Um dia, acredita do alto de sua autoridade sábia
que pessoas se cumprimentarão apenas com sorrisos
e as cartas todas serão novamente escritas com as mãos.

Agradável Existência

Em meu ventre teu cárcere sem saídas
onde tu pequenino encaixa-se
com seu sorriso de agradável existência
e nas cores a bandeira
em que minha silhueta desaparece mês a mês na tua mirada
assim incubo tua carne
num lance inédito a se infiltrar em meu vazio
alimentando-se ansiosa nas asas noivas de tua chegada
meu útero vai desafiando os lamentos de um leproso
e na grandeza de minhas árvores
conto agora as folhas amarelas da fertilidade de meu vale
e do que em ti, em mim detenho...
vou determinando a todas minhas células finitas
tua consciência úmida de vida
e nos vilarejos de meu planeta
a revolução progressiva de meus desfiladeiros
porque agora adubarei tuas raízes mais profundas
como quem espera das outras páginas de livros
o motor ligado deste primogênito que chora agora.

No Escritório do Cristo

Minhas repetições escassas
e já sou convertido
trabalhando num velho escritório
a aparência fria do cristo

e das bíblias penduradas na parede
sangram e murmuram teias de aranha
nas mãos dos funcionários rosários miseravelmente viscosos
a contrapor a reza dos cristo em seus membros de porra

Nossa fé cambaleia, portanto nesta espécie de suicídio...
com uma mão suplicamos
e com a outra masturbamo-nos
imbuídos de nossas rancorosas auréolas

E na delicada figura do cristo crucificado
o congelamos todos em um refrigerador moderno.

Dois Abutres


Multiplicai tumba adentro
vozes funerárias que cairão gritando...

Além de infâme, atenta ao apagão que em mim habita:
mendigando o parasita turvo com seus enigmas não revelados

Pulsarão em meus magros pertences as lombrigas e os furúnculos
orgulhosos ante este couro leitoso que pestilento jorra

E como manso animal a gozar rendido
faço de meu vestígio asqueroso e sepultado...

E abrigados nestes becos delgados
hão de fazer-me descer perdido nos intervalos bárbaros dos pavimentos

Deslumbradas por minhas chagas colonizadas nas entranhas
nos trópicos desfalecidos de meus rins gelados

Converto-me em regressos nos faróis oleosos dos cigarros
donde volta à terra de infância nas cortinas foscas de tempos estranhos

Ali pairo no acontecimento das mãos
em que cada dedo escava suplicante

O recém morto no embate de Deus e dois abutres
ambos a comentar suas façanhas

Enquanto meus membros destroçados
destrancam o fôlego quebrantado
no amargo ofício da vergonha.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Das Aberrações Milagrosas

Versos estacionados como dívidas pendentes
fazendo de mim o que lhe apetecem
criatura obscena em sua louca frigideira
alcançando o corpo que habito
numa verdade equívoca que agora chega à minha caverna
e por assim embriagantes latidos do imaginário
senti nos abismos enlouquecedores de minhas entranhas
a felicidade malcheirosa
da poesia resgatada em meus escombros.
Teu peito,
pedaço de terra vigiado,
em que minhas portas não fecharam
erguendo nos galhos dos teus pátios
minhas cicatrizes enxertadas de folhas...
Em teu dormitório as paredes ruíam
um pouco do cheiro da morte que agora pula por tua janela.

Cidade

Pelas bordas, abro as veias...
Em teu pescoço, correntes sanguineas bem movimentadas
Com seus meninos jogando bola a beira mar
E senhorinhas puritanas sentadas em grandes poltronas antigas
As mães amornando suas mamadeiras enquanto quase sempre seus bebês morrem...

Em todas as veias ruas imaginárias do mundo inteiro e
histórias traçadas com afinco no caos que de ti escorre
Suas partículas que crescem sem chuva
Num ritmo da dança de super-heroís reais
Volto pra teus coágulos deixados nas estações...

Encontro picos de insanidade
Nuvens cinzentas cruzam teus becos, tuas esquinas vermelhas...
Aos poucos, libertam-se de suas cavidades veículos envenenados
Aonde posso ver a nocividade nos olhos alheios
Findo-me. Sento-me à beira da saída. Corto as veias com mais verdade.

O Acordo

Apenas minha boca neste corpo apertado de saudades
A buscar um pouco de abraço dos teus braços graves e tristes...
E estes lábios descarnados a morder quem me beija
Na loucura humana da garganta
Das tuas pontes moribundas e redimidas
...

Tombo assim em teus olhos as mãos calejadas de sonhos
Noutras ilusões desmanchadas pelo tempo
Evaporando-me em álcool distante do verso sob as caravelas da taça de vinho
E ao beber-me de gole em gole
A boca silencia o acordo entre a desgraça e a sede.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Porque esta seria supostamente a minha língua roxa misturando os restos nas panelas para alimentar meus gatos. Este serei eu buscando um recanto longe da poesia e da coragem. Esta mão que vê agora é a minha abrindo mais oito feridas em teus braços. O sorriso que poderia chamar-se alegre é um desespero sufocado dentro da casa. Os meus braços já morreram demais para você tentar fazer um corte profundo na carne. Aqui mesmo, assumo: pessoas são pálidas e minha felicidade é a mais ignorante de todas. Acordar. Medo da morte e pensamentos em ruínas.
Um demônio e já sou homem, e este homem está cercado pela corda. Poderia agora eu morrer atropelado e passar a andar sozinho. Aqui, no meio da rua meu pênis decide morrer e lança por cima das coxas uma corda, a mesma corda que me cerca, o pênis morre e começa uma festa surreal, patética e leviana que nem mesmo o próprio Diabo iria deixar de participar. Após a morte quem anunciaria as coisas acontecidas que ninguém mais ousou dizer? Só eu.
Porque este suicídio rídiculo supostamente seria o meu, e o caótico assim como a inteligencia alimentam as vulgaridades que mais me interessam.
Dos cus às máquinas, do absurdo à crônica mais libertina de todas. Porque o teu e meu corpo estão na busca herege do suor, da ferrugem, do fogo e maldição.
Porque na vida, existem várias formas de dizer nossa pobreza, e eu sou o homem que abaixa na rua e estica as mãos grandes até o capim o levando a boca como se degustasse dos meus tristes olhos cegos.

Não espere eu te pedir que venha agora,porque nada se acaba, tudo pede passagem para outro movimento.

O Piano

Notas velhas levantaram ainda ontem suas mangas e calças. E todos os ouvidos unidos numa presença que sangrava o divino e as melodias trancadas numa garrafa corriam a casa repleta de lembranças. Os pés a dançar certos sabores flutuantes. E de tão súbito,a música fez-se presença
saindo daquela garrafa feito prisioneira antiga para abolir de todo a canção. O ritmo aflorado me beija ligeiro. O piano queima enquanto alheia, a melodia reedita-se. Dentro desta fúria haverá um concerto de gemidos implodidos. Os dedos do pianista ardem e mutilam-se, os dedos bailarinos percorrem sem som o vazio. Ao final do espetáculo, nas dobras do seu mundo, as notas defalecem num desfecho emocionado e o pianista de preto partilha com elas a canção num ninar quase sombrio onde partituras serão apenas desculpas.
Trapo raso que assumo. No que é vão, pesco teu batom de nuvens. É em teu sono que invento, pois teus dedos são como gansos e você retira todas as jóias.
Na tua falta, não era isso morrer?
Em ruídos construídos mastigava tuas memórias em absoluta resignação. Este será o tempo, mesmo dentro da tristeza, da emoção vazia deitando-se na cama. E se pudéssemos voltar à raiz das palavras eu lhe daria filhos e mostraria a primeira mordida de todas as frutas assustadas. E você me amaria nesta casca que carrego sempre comigo até nossos corpos nus assumirem o gosto do eco profundo neste formato sóbrio.