quarta-feira, 2 de maio de 2012

Bicho ( da caixa de palavras- pra se brincar de fazer crônica)



Bicho solto na caixa de fazer silencio. Nas compotas de poetas que religiosamente amanhecem no meu pão. Bicho de botar no pé e continuar andando porque a coceirinha dói. Porta-treco de guardar canção ultrapassada pra esquecer que também sou antiga. Variações dum mesmo bicho que não admite ter sete cabeças porque a vida já é dura demais pra ser complexa e eu não sou ninguém e você também não é. Bicho é bicho, mesmo bicho de pé. Bicho sem vergonha de fazer molhar a fronha. Bicho-gente /grilo na cuca. Vou esquecendo as promessas porque bicho solto não tem paradeiro para cumprir coisas ditas. A gente vai virando gente e sendo cada vez mais bicho vai achando que encontrou a fonte pra ser esperto.
 Bicho gay é bicha. Bicho hippie é cara. Bicho machista quase sempre não gosta do parente bicha e esse preconceito quase sempre termina em bicheira. Bicheira no trocadilho vira intolerância. Bicho literal vive de instinto e a gente usa instinto como pretexto pra ofensa. Ofensa é coisa criada pelo bicho capeta, o filho do bicho pai que quis ser o próprio bicho pai, e também tem o bicho filho que dizem ter morrido pra salvar todos os outros bichinhos do mundo. Bicho filho gerou o caos porque no meio de tanto bicho achando ser especial surgiu foi bicheira em todo canto do planeta, de bicho assassino a bicho ladrão, cada um achando que tem sua razão e essa bicharada toda junta devia mesmo era voltar pra arca porque bicho solto é coisa dessas idéias modernas que enchem nossas cabeças de bichinhos, e os congressos, e os políticos são os bichos responsáveis por fingir que tem inseticida suficiente pra acabar com toda bicharada se não seguirmos as regras, outra coisa: regra é um bicho chato que a gente segue porque senão a casa cai e aí a gente vira bicho mesmo, de mentir a saquear pra não sair na desvantagem. A gente é tão bicho, mas tão bicho que pra enganar a gente e inflar o nosso ego o bicho pai apelidou a gente de “Homem”.
(Vai entender esses bichos doidos.)

Sereia (da caixa de palavras - pra se brincar de fazer poesia)



Minhas sereias voando alto
Todas mitologicamente incorretas no absurdo razoável do mar que cobre o céu
Sedutoras, fiéis a sua definição primitiva
E eu cubro o canto com encantamento dos olhos
Não seremos surdos no opaco da vida daqui por diante
Seremos metade peixe na imensidão dos poros aquáticos
E as porras marítimas flutuando no azul do meu umbigo inflamado
(De sal e pus)
Devorando os fetos machos eretos de tanto desejo
(É tudo desejo apenas desejo)
Nadando em braçadas largas rumo ao fracasso
Este nosso estado humano mais lendário.



terça-feira, 1 de maio de 2012


Você vai preparando o tom exato, a roupa, o batom, a música certa para abrir o closet, dançando os dedos no estojo de maquiagem, rebolando até o vestido entrar, e eu vou endoidecendo nas passagens de Edith Piaf que você dignificou  ao som de “Non je ne regrette rien” e eu quieta com os olhos assumo com a saliva gelada a dúvida: se você ainda volta, porque me dá medo tanta delicadeza assim andando na rua de vestido novo e verbo alegre. Você sorri orgulhosa frente ao espelho e marca com batom a cor da boca que volta de noite pra me beijar de dentro.
(Meu alívio afoito correndo de felicidade pelo quarto.)




Deixa eu ficar mais um pouquinho pingando preguiça por toda cama e depois a gente lê um livro de título bobo só pra ter o pretexto de ouvir romance saindo da boca. Vem cá, te faço um café expresso e você me acende um cigarro a gente vai passando na calada da casa, no fuxico que a chuva faz lá fora e nas mãos aquecidas das xícaras perseverantes. Eu te tombo com poesia e você me dança com pintura. O ritmo rabisca o chão com os pés, a poesia vira música e a pintura vira fotografia nos lençóis bordados de maio. E nós aqui... Brincando de vida.