Espátula no teu corpo. Lá vai outra vez Izaías, desmanchar
no tempo enquanto o verso deságua na curva dum esgoto. Lá está nossa família,
no estranho elemento da ausência física. Na gaveta, submundos de perdas. Onde
estão Isaac e João? O peito exausto pede desculpa na madeira do caixão.
-Muito cuidado meninos, a saudade é uma substancia orgânica.
Não posso falar com deus por ter esta capa humana sórdida,
pra quem ligo pra ter um dedo de prosa com vocês? Há dois anos pensei em
procurar um bom agente funerário que nos agendasse uma visita.
-Na minha casa às dez horas, pode ser.
Transformei-me na porção hereditária do louco. Fui de metrô
para o Seol, todas as estações lotadas de memórias e conflitos. Muitos mortos
dançavam sem notar os movimentos. Tantos cadáveres dissimulados bombeando os
passos a espera de voltar pra casa. Sentei no banquinho ao lado de uma velhinha
cega, era minha avó que segurava uma cordinha com um relógio antigo. No barulhinho
do tempo já não marcavam horas. Pobre senhora, pensei.
Levantei a procura de alguma placa que informasse a sala do
escritório de deus,no caminho, um moço de jaqueta preta me ofereceu cem gramas
de pó, em troca, ele queria entrar no meu corpo só pra lembrar como é boa a
sensação de estalar os dedos. Agradeci e recusei.
- As drogas ainda vão te matar.- alertei. Ele sorriu e
entrou no meio dos trilhos.
Continuei minha busca, ou acharia deus ou o diabo que me
mostrasse solução. Nunca vi estação tão cumprida, andei por horas a fio sem
ninguém que soubesse me dizer onde trabalhava deus. Cruzei com um garotinho
negro dos olhos grandes, ele perguntou se eu vi sua mãe, disse imediatamente
que não.
Tantos sussurros e pedidos, tanta gente magra e feia santo
deus! Até que vi uma mulher de costas,ela era meu pai.
- Aonde está deus nessa desordem pai?Vou arranjar um jeito
de te tirar dessas acomodações precárias.
Deus é você- disse ele. Esse caos é lúdico. Vai pra casa
menina, dedilha uma lua ou uma poesia e cria a gente com um pouco mais de
encanto.