domingo, 3 de março de 2013


Espátula no teu corpo. Lá vai outra vez Izaías, desmanchar no tempo enquanto o verso deságua na curva dum esgoto. Lá está nossa família, no estranho elemento da ausência física. Na gaveta, submundos de perdas. Onde estão Isaac e João? O peito exausto pede desculpa na madeira do caixão.
-Muito cuidado meninos, a saudade é uma substancia orgânica.
Não posso falar com deus por ter esta capa humana sórdida, pra quem ligo pra ter um dedo de prosa com vocês? Há dois anos pensei em procurar um bom agente funerário que nos agendasse uma visita.
-Na minha casa às dez horas, pode ser.
Transformei-me na porção hereditária do louco. Fui de metrô para o Seol, todas as estações lotadas de memórias e conflitos. Muitos mortos dançavam sem notar os movimentos. Tantos cadáveres dissimulados bombeando os passos a espera de voltar pra casa. Sentei no banquinho ao lado de uma velhinha cega, era minha avó que segurava uma cordinha com um relógio antigo. No barulhinho do tempo já não marcavam horas. Pobre senhora, pensei.
Levantei a procura de alguma placa que informasse a sala do escritório de deus,no caminho, um moço de jaqueta preta me ofereceu cem gramas de pó, em troca, ele queria entrar no meu corpo só pra lembrar como é boa a sensação de estalar os dedos. Agradeci e recusei.
- As drogas ainda vão te matar.- alertei. Ele sorriu e entrou no meio dos trilhos.
Continuei minha busca, ou acharia deus ou o diabo que me mostrasse solução. Nunca vi estação tão cumprida, andei por horas a fio sem ninguém que soubesse me dizer onde trabalhava deus. Cruzei com um garotinho negro dos olhos grandes, ele perguntou se eu vi sua mãe, disse imediatamente que não.
Tantos sussurros e pedidos, tanta gente magra e feia santo deus! Até que vi uma mulher de costas,ela era meu pai.
- Aonde está deus nessa desordem pai?Vou arranjar um jeito de te tirar dessas acomodações precárias.
Deus é você- disse ele. Esse caos é lúdico. Vai pra casa menina, dedilha uma lua ou uma poesia e cria a gente com um pouco mais de encanto.