sábado, 28 de fevereiro de 2009

Pai Partiu


















E partiu mais um que aqui estava....e vivia...
Pouco valor as pernas que ainda caminhavam, e os braços que ainda se esticavam na ânsia de abraçar os seus...
Ah e as mãos?? Mãos de afagar fios de cabelo...mãos de assinar seu nome como uma certeza convicta de sua identidade...era ser e estar...
Cheiro abstrato e fincado...só de olhar fotos chega ao ofato o perfume abandonado...
Tinha olhos pequeninos caramelados(as vezes esverdeados)olhava por cima da testa, olhar doce de pateta radical...Voz pra cantar as canções bregas mais incríveis que um ouvido infantil poderia ouvir...
Passos largos, arrastados...meio desastrados...mas inconfundíveis!
Lembranças vagas de momentos...e o pai...também era filho, e tinha pai...sentado o pai na cadeira do quintal o filho que é pai acarinhava a testa do seu, contato intimo de filho e pai.. e eu a olhar abobada o carinho nos gestos simples daqueles dois...
E o pai tinha mãe, e das lembranças que tenho, vez por outra batia madrugada a dentro na porta dela, a olhar olho no olho, como quem certifca que tudo está bem, não embromava tais atitudes e preocupaçoes, mesmo que fossem por causa de sonhos de noites passadas...
E o pai tinha irmãos...das traquinagens eternizadas...muitas gargalhadas e confusões... e tinha esposa...amada e por vezes odiada no intercalar de anos a fio...
E o pai tinha filhos...três crias mirradas,robotizadas(rsrsrs) sonsinhas e debochadas...que o amavam e o queriam tão bem...e de querer-se bem os queria o pai também...
E o pai partiu...foi passear...foi contar rastros de terra em chão de sertão...foi tomar rumo novo...
Mas o pai desmiolado(foi embora sem me cobrir e me beijar a testa)vai deixar saudades...diz o povo que ele voltou pra dentro das grandes fogueiras armadas no chão da praça da 22 , só pra cantar:''Não não chore mais...''

Natacia Araújo

É do pouco


Gosto do pouco, do pequeno, do minúsculo, do rejeitado, do largado...
Gosto de improviso e caras amassadas, cabelos despenteados, e roupas amarrotadas...
Delíro com despretenções, vou ao júbilo com simplicidade...
Caminho com os pés descalços pra sentir a terra e poeira lambendo as solas...
E se vejo algo singelo páro aonde for...e não me prendo a olhares...
Gosto de doce de abóbora e cajá verde, não sei subir em árvores, mas já plantei algumas...
Gosto de mandar cartas e ler sobre tudo quanto fosse curioso...
Gosto de escrever pensamentos e fixar idéias através de palavras escritas...
Gosto de ser valente,gosto de ser herói...adoro ser errado e me contradigo a cada coisa que digo..
Digo não ser, sem nem conhecer...as vezes sou tolo...e em espamos de reflexão, saio por aí a cantarolar: gosto do pouco...gosto do pequeno...e gosto é muito.

Natacia Araújo.

Gosto quando te calas



Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

Pablo Neruda

Errante


Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Florbela Espanca

Último Brinde



Bebo ao lar em pedaços,
À minha vida feroz,
À solidão dos abraços
E a ti, num brinde, ergo a voz...
Ao lábio que me traiu,
Aos mortos que nada vêem,
Ao mundo, estúpido e vil,
A Deus, por não salvar ninguém.


Ana Akhmátova

Revolta da cria


O homem mata
O homem dá a vida
Deus cria o homem
O homem peca (o homem quer ser Deus)
O homem recebe a morte
O homem dá vida aos seus
O homem pensa em seus ardis
O homem dá a vida
O homem tira a vida
O homem quer ser Deus
O homem mata Deus
Deus fez o homem(?)
Deus chora ao perder o filho
Deus chora, mas mata
Matar uns, poupar outros...
Deus chora(?)
O homem chora...

Natacia Araújo.

Velhice dos desmemoriados


O velho sentado na praça
Com seus olhos distantes
A consumir queimaduras as voltas de seus cabelos caídos
Envelhece a beira que enlouquece
A esquecer lembranças
A perder o controle de si
Ao notar a impotência da alma que se esvai no peito fincado...
Dum velho amargurado...

Natacia Araújo.

Parideira dos filhos


Parideira de filhos da alma inversa,
Procria viveres andantes em terras distantes
Parideira de filhos anjos luz
Geme ranger dentes da cria ingrata que corta carnes suas...
Parideira...cabritos destemidos....
Parideiras dos frutos caídos...
Pare filhos a chorar sangue quente...
Pare almas a renovar sua semente.

Natacia Araújo.

Moça Vadia


Rebruscamento de cores multiplas...
Pobre destino da moça vadia...
Rebruscamento do que quer que seja...
Ainda assim pobre destino da moça vadia...
Olhava pro nada como quem observa latejantes ondas...
E disse Deus...já não tem mais voltas ou recomeços...porque esse é o triste fim da moça vadia...
-Moça vadia...disse Deus... entregar seu corpo a Deus e ao Diabo é fornicar com os dominios de céu e inferno...
Pobre destino da moça vadia....
Comia tulipas rosas esverdeadas...e dançava o maracatu do Seol...
Suor a cair na face...
Face molhada de suor...
Rebruscamento de cores multiplas...
E os anjos entoam as melodias: Este...é o fim da moça vadia...
E o coro fortalece: Rebruscamento do que quer que seja....
E os passos aceleram da moça vadia...e dança...e gira...e não para...
E da face marcada suada...
ainda assim permanece o maracatu do Seol...
Pobre moça vadia...concepção e julgamento de nós soberanos grandes...
Julgamento de quem olha...e vê...e avalia...cada detalhe...para susurrar no grito forte:
Matem a moça vadia!!!
E depois chorar com pose de quem faz bonito...e gritar em susurro:
Pobre moça vadia!

Natacia Araújo.

Devoradora de flores amarelas


Vontade de suprimir vontades
Esconder sementes...
Ela tem sorriso no brilho das mãos
Ela tem garras nos olhos dos pés
Caminha com vozes
Ouve com a pele
E saltitante lá vai ela...
Ela, que consegue colocar as duas mãos em sua boca...
E devora as flores amarelas da rocha umedecida
Devoradora de flores amarelas...
Amareladas do sol poente...

Natacia Araújo.

Retirada das pedras


Hoje é dia de amar...
Abraçar a cria...
Rir do mesmo...
Chorar pelo que não notamos...
Entender o que não deixamos..
É dia de abrir mão,
Abandonar o pequeno, o mesquinho...
Mais vida, mais cores...
Hoje é dia da retirada das pedras...
E por favor avise ao mundo que hoje é dia da humanidade...
E avise ao povo que é dia de sair de si e voltar a ser você mesmo...

Natacia Araújo.