segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O desgraçado e os miseráveis















Sou um irmão amputado jogado no lixo
Recebi o leite do peito seco
O alívio vem de qualquer sobra

Sou fruto da sacanagem de um santo ausente
De um governo estuprado e um Deus mentiroso
Nos bolsos nada além de um cigarro pela metade

Sou um resto de medo e fome que ainda se contorce
Tenho estes dois braços que definham e só acreditam no céu da boca
Minha morada é no asfalto onde o cheiro fétido me bebe de gole em gole

O corpo olha pra dentro, depara-se com a palma das mãos
E lembra em sopros cuidadosos dos potes cheios, das grandes construções...
As mãos surradas pedem a paz merecida

Um resto da canha ainda o mantém embriagado na tentativa de misericórdia própria
Um desespero e a tontura que momentaneamente engana a fome
Um gosto amargo de se passar despercebido

Um nada em extremos partidos
Uma carcaça apagada em projeção faminta
Instrumento de culpas próprias e alheias

Imperceptível, ignorado, desfalecendo pelas mãos que agora sangram...
Sou um desprezo humano sem juiz, sem deus, sem irmãos
E quanto a eles, parecem padecer de uma embriaguez oportunista
Com seus olhos sempre arredios e um fingimento calculado

E quanto a mim, concordarei em ser o corrosivo da calçada em que passam
E o adubo do asfalto onde correm
E em alguns momentos entendo tudo...
É preciso desgraçados como eu para enxergar que os miseráveis são eles.